segunda-feira, 18 de julho de 2016

Andante cantabile

Jorge Finatto

photo: jfinatto


Deus me deu muitos vazios para me entreter nessa vida.

Muita gente se queixa do vazio. Eu, pelo contrário, celebro o vazio, as minhas faltas, os meus vagos, hiatos, intervalos, lacunas, pois, graças a eles, estou sempre ocupado na ingente busca de me completar (nunca alcançada).

Se não fossem os vazios, as longas caminhadas pela dúvida e pelos nadas, os dias seriam todos iguais, a realidade seria insuportável mais do que é. Todo artista vive pra tapar buracos na alma.  

O vivente sente um vazio no coração, uma insatisfação de existir. Queria sentir-se pleno. Vai atrás de respostas, vai observar, escutar, interrogar, criar. Nunca encontrará a plenitude. Mas o fato de procurar já o torna alguém neste mundo.
 
Passei uma parte da vida no bosque das estantes. Que é um lugar de auroras, propício a altos voos, território de vidas e histórias inventadas.

Ler é trilhar caminhos a passos de silêncio. Há dias em que monto em meu cavalo invisível e saio a galope ao lado de Sancho e Dom Quixote por estradas de pedra, sombra, luz e sonho.

Pensando bem, só nos livros andamos a salvo por estranhas realidades. Mas não é capricho viver encerrado entre as quatro paredes de um livro, a salvo da vida. Há que sair, construir pontes, encontrar outros viajantes.

Cavalgar pelo oco do mundo em busca de sentidos.