sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Um casal no fim da linha

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto

Tenho um conhecido que é cerca de 25 anos mais velho do que eu. Não o vejo há bastante tempo. É uma pessoa com quem sempre senti afinidade. Compartilho sua maneira ponderada e humana de olhar o mundo, de tratar situações difíceis. Nosso vínculo nasceu no meio jurídico, em razão da atuação profissional. Ele no Ministério Público, eu na Magistratura.

Afinidades antes espirituais do que propriamente de convivência, pois não nos encontrávamos com muita frequência. Vi-o algumas vezes  com a mulher, inclusive em congressos. Nessas ocasiões, conversávamos, às vezes passeávamos e jantávamos juntos.

Eu achava bonita a maneira como o casal se dava, após um casamento de mais de 40 anos. Uma sintonia fina, linda de se ver. Gostava de encontrá-los assim, andando pela vida juntos, atravessando o tempo, num companheirismo incomum nestes tempos de relacionamentos de ocasião, onde cada um é por si e o resto que se dane.
 
Ontem fiquei sabendo, por um amigo comum, que ele vive sozinho em casa com uma cuidadora contratada, porque não consegue fazer por si as coisas normais da vida. A mulher, companheira da vida inteira, está numa clínica, necessitando de cuidados médicos permanentes.  A doença os separou, já não podem cuidar um do outro com antes. Não conseguem sequer se ver e dizer olá, como passou o dia.
 
Constato mais uma vez - ó besta e vã filosofia - que a vida é mesmo uma coisa torta e absurda. Procuro uma nesga de justiça nesse caso e não encontro. Como podem terminar assim duas pessoas que se amaram, construíram uma família, lutaram, viajaram, se consolaram, se acompanharam nas boas e nas más horas, e agora não podem ao menos se ver? Onde está o sentido?

Tento encontrar, mas não alcanço, a explicação. Nunca mais verei aquele casal de mãos dadas. Será que tem de ser desta maneira? Não haverá outro jeito, menos solitário e doloroso? Peço a Deus humildade e paciência pra suportar o que parece ser a negação do humano.

Pressinto o de sempre: não entendo nada de nada.  Devia mais era ficar quieto no meu canto, dizendo que a vida é assim mesmo. Calado, sem ruminações inúteis. Acontece que não consigo.

Tem dias que a custo me levanto da cama de manhã para enfrentar a vida. Sei - como sei - que viver vale a pena. Mas às vezes dá um bruto cansaço e uma certa melancolia toma conta. Uma espécie de saudade de uma harmonia e de uma felicidade que jamais conhecerei.