sexta-feira, 24 de julho de 2015

A vida invisível

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 

O texto sobre fantasmas causou estranhamento.

Leitores questionam o fato de o autor tratar como natural a existência de assombrações em Passo dos Ausentes.

Mais que isso, não entendem como eles transitam livremente, e à luz do dia, pelas ruas, praças, telhados e calçadas da nossa pequena cidade.
 
Eu também muitas vezes me pergunto a que se deve a presença dos voláteis entre nós. Eles não se fazem de invisíveis por aqui. E isso não causa perplexidade entre os vivos. São tênues os limites entre o real e o imaginário nestas bandas dos Campos de Cima do Esquecimento. 
 
O que se vê: os fantasmas em nada interferem no dia a dia da aldeia. Vivem com discrição sua espessa solidão, sem fazer alvoroço nem assustar  ninguém. Habitam recantos de ausência e silêncio.

Segundo Heitor dos Crepúsculos, o mais conhecido volátil desse território perdido, nossa aldeia é o único lugar do mundo onde fantasmas podem viver em paz, sem causar estrépito nem escândalo. A população não lhes faz caso.

A fantasmagoria pertence à história da cidade.

Não disseram que o passado está vivo no presente? Que os mortos cada vez mais governam os vivos? Não sei se isto é assim. Acredito que a responsabilidade pelo presente é sempre, a um só tempo, individual e coletiva. E é hoje, não ontem.

Não existem roteiros pré-escritos. Tampouco abismos e perdas intransponíveis. Havemos de escrever novas e belas histórias.
 
O pouco que sei - se é que sei - é que, para além dos fantasmas, há vida silenciosa pulsando entre nós em todos os lugares do mundo.

Gente que não é notada. Gente invisível e solitária, que vive de cabeça baixa, longe de tudo e de todos. É preciso estar atento aos fantasmas-vivos que nos cercam, dar-lhes abrigo e afeto antes que morram de frio.

Nem tudo que parece invisível está, de fato, fora da realidade.