segunda-feira, 6 de abril de 2015

O passarinho na amendoeira em flor de Van Gogh

Jorge Adelar Finatto

Amendoeira em flor. pintura de Van Gogh, 1890. Van Gogh Museum
 
Não sei se fui eu que desisti da literatura ou se foi ela que desistiu de mim. Só sei que faz muito tempo. O fato é que cansei de bater numa porta de sombra impossível de abrir e que, no dia em que se abriu, revelou um castelo vazio, cheio de fantasmas e esqueletos de musas atirados em soturnas escadarias.

Eu não gosto de fantasmas nem de ossadas. Meu interesse literário se resume aos velhos livros que amo, e aos novos que vou encontrando pelo caminho. Trago comigo a dor antecipada pelos livros que não terei tempo de ler. O meu sentimento é este. Diante disso, prêmios literários e exposição midiática nada significam. Escrevo na medida da minha necessidade de expressão ou apenas na esperança de olhar para o que escrevi, tempos depois, e dizer: Ah, mas isto aqui  acho que ficou bem.

Um texto dos confins da alma num momento fugaz. Para ter prazer em revelar e ser por ele revelado. Se alguém gostar, seja bem-vindo. Se não gostar, seja bem-vindo também. O que vale é a palavra e sua tentativa de comunicação entre duas pessoas: a que escreve e quem lê. O leitor, aliás, é aquele que realmente dá sentido a todo o processo.

A palavra, e nossa alegria nela desvelada. Palavra escrita no gosto do primitivo artesanato. Para o instante valer a pena. Uma espécie de memória do farelo. O resto é silêncio das cavernas oceânicas.

Solidão da folha em branco que cai da árvore do pensamento. O que muitos entendem por literatura já não me interessa. Mais vale o passarinho cantando no galho da amendoeira em flor de Van Gogh. Eu escutando.