sábado, 31 de janeiro de 2015

Hibaku Jyumoku, vida vencendo a morte

Jorge Adelar Finatto 

Ponte no Jardim Japonês. Buenos Aires. photo: j.finatto

 
O Jardim Japonês, em Buenos Aires, no bairro de Palermo, é um enclave de delicadeza e harmonia num país que atravessa um momento muito difícil. Não só pelas dificuldades na economia como pelos embates políticos que, a exemplo do Brasil, parecem não levar a lugar nenhum.
 
A trágica morte do promotor federal Alberto Nisman, com um tiro na cabeça, em seu apartamento no bairro de Puerto Madero, no domingo, 18 de janeiro,  agravou muito a situação. Foi um aparente suicídio, mas há suspeita de assassinato.
 
Em 14 de janeiro, ele havia denunciado a presidente Cristina Kirchner e alguns aliados de ter um plano para encobrimento da suposta participação de iranianos no atentado contra a Associação Mutual Israelita-Argentina, em 1994, que matou 85 pessoas e feriu outras 300. Kirchner e membros do governo repudiaram a acusação.

A morte de Nisman causou comoção em todo o país. Desde então não sai da capa dos jornais, das rádios e televisões. As investigações prosseguem (e as discussões também). Por enquanto, não há indicação de autoria do crime nem confirmação de suicídio.
 
A Argentina é um belo país com um grande povo e não merece passar por esse tipo de situação. Assim como nós, no Brasil, não merecemos os casos absurdos de corrupção que se revelam todos os dias. Mensalão, Petrolão, etc., etc. Coisas tristes que haveremos de superar na medida do nosso esforço em construir uma nação melhor, muito melhor do que isso que se apresenta. Valha-nos Deus.
 
Jardim Japonês, Buenos Aires. photo: jfinatto

 Mas eu dizia que saí para andar no Jardim Japonês. É preciso se aproximar das coisas boas que restam e que, felizmente, não são tão poucas assim. Lá no suave jardim oriental há um bonito lago, pontes, peixes coloridos, quedas dágua, plantas, árvores, aves, flores, seixos. Caminhos de silêncio e recolhimento. Fazem parte da estrutura do parque uma casa de chá, restaurante, viveiro, espaços para reuniões e lojinha com produtos da cultura japonesa.

Olhemos as pontes. Elas nos fazem crer na possibilidade de encontro de opostos. Simbolizam o itinerário rumo ao amanhecer, num mundo marcado pela discórdia e pela violência. Ponte: caminho, ligação entre o humano e o divino.

Jardim Japonês, Buenos Aires, photo: jfinatto
 
O Jardim Japonês cultiva esperança e beleza em seus ambientes. Ali encontrei três árvores descendentes de outras que sobreviveram à bomba atômica que arrasou Hiroshima em 1945.

A essas árvores sobreviventes os japoneses dão o nome de hibaku jyumoku, que significa árvore sobrevivente do bombardeio atômico. Lá estão elas vivas, pequenas ainda, crescendo.
  
Ninguém acreditava que Hiroshima e Nagasaki, atingidas por bombas atômicas, teriam vida vegetal antes de 75 anos após os bombardeios. Não foi assim. Árvores sobreviveram em silêncio sob a terra, em suas raízes, e, na primeira primavera, mudas irromperam do solo devastado pela radiação. A vida vencendo a morte.

Que a história dessas árvores frutifique em nossos corações e nos anime a enfrentar os tempos difíceis que andam por aí. Ave, vida!

Jardim Japonês, Buenos Aires, photo: jfinatto
 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Quinquilharias San Telmo

Jorge Adelar Finatto

Mercado de San Telmo, Buenos Aires, photos: jfinatto

Se algum dia uma grande catástrofe se abater sobre o planeta, será possível aos sobreviventes reconstruí-lo a partir das quinquilharias da Feira de Antigüidades de San Telmo, em Buenos Aires. Um passeio pelo bairro de San Telmo, aos domingos, nos permite encontrar, na Plaza Dorrego e pelas ruas do entorno, objetos de todos os tipos e épocas. A feira existe desde 1970 neste lugar boêmio e convivente.

Mas nem só de velhos objetos vive o bairro. Além dos expositores, que povoam a praça, as calçadas e o Mercado de San Telmo, existem artistas que fazem apresentações aqui e ali. Shows com dançarinos de tango, violonistas, cantores, marionetes, tudo isso e mais o que não tem fim se encontra em San Telmo. E, como não podia deixar de ser, há livros usados também, muitos livros.

No domingo em que lá estive, desabou uma chuva tremenda de tarde, fui para dentro do mercado. Só que, meia-hora antes, o pessoal da rua já cobria as mercadorias com plásticos. Eles sabem interpretar as nuvens portenhas.

photo: jfinatto

A Feira de San Telmo lembra, de algum modo, o meu escritório em Paso de Los Ausentes. Um pequeno território extraviado de San Telmo. Velha máquina fotográfica que não funciona há muitos anos, caleidoscópios, lunetas, quadros, telescópio, remo, espada, boleadeira, balaios, vidros, pedras, retratos, bijus, souvenirs, etc., etc. Um estranho lugar onde eu sou o quinquilheiro.

photo: jfinatto

A vida é feita de quinquilharias materiais e afetivas. Cada objeto guardado possui uma alma. Cada sentimento é um diamante. Todos reunidos formam esse museu particular que vamos construindo. E todos nós, dia mais, dia menos, nos transformamos também numa quinquilharia.

Sem nostalgia de vidas passadas (vivemos muitas vidas antes dessa de agora), vamos levando o barco (afinal, San Telmo é o padroeiro dos navegadores).

Quinquilharias vivas é o que somos. Mas, ao jeito de cada um, participamos da vida da tribo, assobiando e decifrando o tango que nos tocou dançar. Se erramos o passo ou o verso, acertamos os próximos.

photo: jfinatto

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Café Tortoni, escrita e medialuna

Jorge Adelar Finatto

Esculturas de Borges, Gardel e Alfonsina Storni. Café Tortoni. photo: jfinatto


Estou tomando um café no Café Tortoni, em Buenos Aires. Aproveito e leio essa bela descoberta que fiz em Montevideo: o texto enxuto, arrebatador e próximo ao leitor do escritor, pianista, inventor e compositor Felisberto Hernández (1902-1964).

Como alguém consegue escrever desse jeito? Puro espanto. E isso que comecei há não muitas páginas atrás o volume Los libros sin tapas* (Os livros sem capas), e nem sequer abri o outro, Las hortensias, do qual se fala muito bem, com prólogo de Julio Cortázar. Semelhante estranhamento só encontrei no argentino Macedonio Fernández e seu extraordinário Museu do Romance da Eterna.

São textos breves, que irrompem de repente na página e em seguida se espalham com intensidade de um caudal, algo como o Rio da Prata que começa pequeno no Rio Pelotas, a nordeste do Rio Grande do Sul, transforma-se depois em Rio Uruguai e mais adiante se encontra com o Paraná, formando este mar platense.

Houve uma vez no espaço uma linha horizontal infinita. Por ela passeava uma circunsferência da direita para a esquerda. Parecia que cada ponto da circunsferência coincidia com cada ponto da linha horizontal. (In Genealogia, p.66, tradução livre JFinatto).

Um dia me dei conta que estava próximo de perder a razão. Não me atrevia a afirmar se devia ter razão ou se devia perdê-la. Então me decidi viver espontaneamente: se espontaneamente a perdia, bem; e se espontaneamente não a perdia, também. (In Juan Méndez o Almacén de ideas o Diario de Pocos Días, p. 140, tradução livre JFinatto)

Não por menos manifestou-se Cortázar:

Basta iniciar a leitura de qualquer um de seus textos para que Felisberto esteja lá, um homem triste e pobre que vive de concertos de piano em clubes do interior, tal como ele sempre viveu, tal como nos conta desde o primeiro parágrafo. Mas assim que o reconhecemos mais uma vez – bom dia, Felisberto, tudo bem com você? Será que tem um pouco mais de dinheiro, que seus quartos de hotel são menos horríveis, que desta vez vão te aplaudir nos teatros ou cafés? Será que essa mulher que está te olhando te ama? -, nesse reconhecimento que ocupou apenas uns poucos parágrafos logo outra coisa se instala, o salto fulgurante para a única coisa que vale para ele: o estranhamento, o indizível contato com o imediato, ou seja, com tudo aquilo que constantemente ignoramos ou afastamos em nome do que se chama viver.**

Vir ao Tortoni como ao Café Brasilero, em Montevideo, virou uma espécie de vício, um santo vício que tenho me permitido nesses dias. Ah, sim, viciei-me, também, em medialunas, que são croissants, santos croissants, deliciosos croissants em forma de meia-lua (como dizem os nomes).

photo: Café Tortoni, extraída do site oficial***

Testemunho e dou fé: não existem medialunas no universo como as do montevideano Café Brasilero.

O Tortoni (Avenida de Mayo, 825), fundado em 1858, é um dos cafés mais antigos e tradicionais da capital argentina. Por ele passaram fregueses fiéis e veneráveis como Alfonsina Storni, Mario Benedetti, Jorge Luis Borges, Carlos Gardel,  García Lorca, Arthur Rubinstein, Ortega y Gasset e muitos outros.

As paredes exibem pinturas e retratos de diversos artistas, os móveis são bonitos. Em salas adjacentes apresentam-se espetáculos noturnos de tango.

É comum a formação de filas para entrar. Algo como 10, 15, 20 minutos de espera. Mas vale a pena estar no ambiente do século 19 e mergulhar numa espécie de túnel do tempo. Hoje, na mesa ao lado, estão dois cavalheiros vestidos com trajes daquela época, camisas alvas, gravatas de lacinho e cabelos lambidos, portando, claro, bengalas. Parecem atores, mas bem podem ser fantasmas (gentis fantasmas) que vêm do além só para estar no seu café de outrora. Nunca se sabe.

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*Los libros sin tapas. Felisberto Hernández. 1ª ed. El cuenco de plata, Buenos Aires, 2010.
** Fragmento extraído do site da Fundação Felisberto Hernández, Montevideo, Uruguai:
http://www.felisberto.org.uy/   
***Café Tortoni:
http://www.cafetortoni.com.ar/br/

sábado, 24 de janeiro de 2015

La que nunca tuvo novio

Jorge Adelar Finatto
 
Ruazinha do bairro Palermo Viejo, Buenos Aires. photo: jfinatto


Melancólica e linda canção. A que nunca teve namorado.

Estava no avião, indo para Buenos Aires, quando ouvi o belo disco Tango, do violonista e guitarrista argentino Luis Salinas. Música instrumental de alta qualidade, oferecida pelo serviço de entretenimento do barco voador.

Nunca tinha ouvido falar em Salinas. Fiquei impressionado com seu talento e com a inspirada seleção de repertório desse disco de 2007.

La que nunca tuvo novio. A melodia nostálgica, suave e doce deste tango de 1930 me levou a encontrar a mulher que nunca teve namorado, que triste!

E a vi horas sem fim na janela, olhando a calle desierta, onde algum moço passava de vez em quando, e ela então sonhava. Mas o moço apenas passava diante de sua janela, todos os moços passavam e se iam para outras moças em outras janelas.

Ela morava com a mãe, cuidava da casa e dos sobrinhos. Numa calle com casas coloridas e flores humildes nas janelas, num bairro distante.

Uma ruazinha perdida em Buenos Aires, um lugar escondido de Deus, um ermo esquecido ao sul do planeta. Igual a tantos no mundo. Lá ela morava.

Aos sábados, la que nunca tuvo novio se enfeitava com um vestido florido que ela mesma fizera e se ia pelas ruas do barrio com a sombrinha lilás doendo sob o sol. Olhava as vitrines, conversava na praça com as vizinhas, tomava refresco do vendedor ambulante.

Depois voltava sozinha pra casa por ruas estreitas. Assim passaram-se os anos. As amigas de infância se casaram, depois as filhas delas. A vida passou. E as vizinhas diziam: la que nunca tuvo novio. Pobrecita!

Essas coisas eu vi enquanto ouvia o dedilhado sensível e introspectivo do violão de Luis Salinas. Caminhei pela calle triste da mulher que nunca teve namorado.


quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Don Alberto Casares y la última tarde de Borges en Buenos Aires

Jorge Adelar Finatto 

Alberto Casares. photo: jornal Clarín, Buenos Aires*

Na tarde de segunda-feira me dediquei a visitar livrarias, que é o que tenho feito em Buenos Aires. O que esta cidade é para mim? Cafés e livrarias. E caminhadas pelo bairro Puerto Madero, olhando os barcos e o movimento das pessoas ao longo do braço do Rio da Prata que entra pela cidade.

Antes de sair do hotel, telefonei para a librería de Alberto Casares. Fui atendido ao telefone pelo próprio. Queria saber até que horas estava aberta: até as 19h30min, ele respondeu. A bordo do chapéu de palha, lá me fui na tarde quente do janeiro bonaerense.

A livraria está situada no centro da cidade, na Calle Suipacha, 521. Há ali primeiras edições de livros raros. Há ambiente de livros e cheiro de livros. Não é um supermercado onde também se vende literatura. Mas há nesse lugar, sobretudo, a figura de Don Alberto.

photos: jfinatto, 19/1/2015

Apresentei-me ao livreiro dizendo que era um antigo leitor de Jorge Luis Borges (1899-1986), um borgista. Ao que ele respondeu: fazemos parte de uma comunidade espalhada pelo mundo. Senha e contrassenha ajustadas, começamos a falar do mestre, mas não só. Alberto admira, como eu, a saga das Missões Jesuítico-Guaranis. E lamentamos que Borges não tenha escrito sobre o assunto.

Em seguida falamos a respeito do tema deste texto. Alberto Casares organizou, sem o saber, aquela que foi a última tarde de Borges em Buenos Aires, passada no seu ambiente natural: uma pequena livraria na cidade amada. O escritor viveu ali sua despedida dos amigos e da Argentina.

Ao realizar uma exposição com as primeiras edições das obras do escritor, no mês de novembro de 1985, convidou-o para estar presente. Conversou com Borges ao telefone em diversas ocasiões. Borges escolheu o dia 27 de novembro para o evento. Explicou que viajaria no dia seguinte para a Itália, onde passaria o Natal, e depois iria para Genebra, uma de suas pátrias, como dizia. Alberto ponderou se não seria melhor outra data. Borges disse que não, 27 estava bem. Só o escritor sabia que naquele lugar e naquele dia faria sua despedida.

photo: jfinatto

Na dia marcado, Alberto telefonou-lhe pela manhã e Borges falou que não poderia ir à livraria, estava complicado por causa da viagem a realizar-se em menos de 24h. Alberto ficou desanimado, mas desejou-lhe uma ótima ida à Europa. Restou triste e abatido.

Naquela mesma manhã, falou com um amigo, na livraria, sobre o ocorrido (notando seu ar de desalento, o amigo queria saber o que havia). Disse-lhe o companheiro para telefonar outra vez a Borges. Foi o que fez mais tarde. Do outro lado, o escritor atendeu e perguntou-lhe:

- Casares, que esperas para vir me buscar?

Eram 14h. Correu até sua casa, na Calle Maipú, e o levou para a livraria. Borges conversou e autografou livros para os presentes (não era um grupo grande), entre os quais o amigo e também escritor Adolfo Bioy Casares, que não encontrava havia muito tempo. Foram cinco horas de convívio, um encontro simples e cálido, sem discursos. Ao despedir-se, no fim da tarde, Borges disse que estava partindo para a Europa no dia seguinte. Iria para Genebra onde morreria.

- Me voy a Ginebra a morir.

Borges com Bioy Casares. Atrás, Alberto (de barba). photo de Julio Giustozzi

As pessoas não entenderam a manifestação do escritor. Ninguém sabia que estava muito doente. A realidade é que partiu com María Kodama no dia 28 de novembro, nunca mais voltou à Argentina e, de fato, morreu cerca de sete meses depois, em 14 de junho de 1986, em Genebra, onde foi sepultado no Cemitério de Plainpalais.

Alberto Casares ama a literatura de Borges e os livros em geral. Dirige a importante Coleção Memória Argentina, publicada por Emecé Editores. Além de parente, foi amigo muito próximo de Adolfo Bioy Casares. Nas paredes de sua livraria, habitam fotos de Borges e outros escritores. Entre elas, alguém que nos é muito caro: Miguel de Unamuno.

O Don que dedico a Alberto Casares é resultado de um breve porém rico encontro. O reconhecimento a um homem que cultiva a humildade, o humanismo e a cultura.

photo: jfinatto
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*Vídeo com entrevista de Alberto Casares para o jornalista Luis Sartori do jornal Clarín:
http://www.clarin.com/sociedad/Admiro-Borges-abre-cabeza-corazon_0_905909590.html
 

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O cheque de Erico Verissimo

Jorge Adelar Finatto
 
Erico Verissimo*
 
O fato é que eu estava em casa quando bateram à porta. Fui abrir e qual a minha surpresa: era Erico Verissimo (1905-1975). Vinha me fazer uma visita. Nunca imaginei que um dia na vida ia conhecê-lo pessoalmente e, menos ainda, que receberia sua visita. Passamos à sala. O Erico estava alegre e cordial, magro como sempre, e com aquele boné que usava nas caminhadas.

Disse-lhe então que, durante um certo tempo, na infância (eu tinha dez anos), morei na Rua Dona Eugênia, bairro Petrópolis, em Porto Alegre, que é paralela à Rua Felipe de Oliveira, onde ele tinha a famosa casa na qual recebeu, por muitos anos, com a esposa Mafalda, não apenas os amigos do casal como inúmeros leitores que o procuravam vindos de toda parte. Todos queriam conhecer o autor de O Tempo e o Vento.

A tal ponto que sua residência virou uma espécie de ponto turístico da cidade, o que lhe criava algumas dificuldades, pois precisava de silêncio e recolhimento para trabalhar. Mas ele e Mafalda eram anfitriões generosos e, na medida do possível, procuravam receber os visitantes.

De ouvir falar em Erico, de suas obras e seu pensamento humanista, eu, menino ainda, queria muito conhecê-lo. E, sem embaraço, fui umas três vezes à casa da Rua Felipe de Oliveira. Me lembro que nessas ocasiões uma senhora atendeu à porta e disse que ele estava em viagem.

Não consegui conhecer o escritor e disso me ficou uma frustração. Esse sentimento mais se acentuou quando, em seguida, li Clarissa, livro que me encantou e impressionou. Jamais esqueci a solidão de Amaro, seu amor secreto, inconfessado e dolorido pela adolescente da pensão onde vivia. A admiração cresceu com a leitura de seus outros livros.

Mas então, esta visita agora, assim de repente, eu já um senhor cozido e recozido pelos anos, me causou imensa alegria. Conversamos sobre a vida, sobre livros e leituras (mas não muito), uma conversa cálida, eu mais ouvindo do que falando, claro, porque não é todo dia que se recebe a visita de um grande escritor que também é um belo ser humano.

Quando chegou a tardinha, Erico disse que tinha de partir. Perguntei-lhe como voltaria para casa, ele respondeu que de ônibus. Acompanhei-o até a parada do ônibus Petrópolis. Nos abraçamos e ele se foi.

O mais incrível aconteceu alguns dias depois.

Tocou o telefone, era o Erico.

- Tu recebeste o cheque?, ele perguntou.

- Cheque?, que cheque, Erico?

- O cheque que te mandei num envelope.

- Não, não recebi nada. Mas por que o cheque?

- É bom verificares a caixa de correspondência. Até logo, ele disse, e desligou.

Abri a caixa e constatei que, de fato, lá estava o envelope. Nele havia um cheque dobrado. Tinha a assinatura do Erico. Eu não estava entendendo nada. Afinal, por que o pagamento? Corri os olhos para conferir a importância. No lugar do valor numérico, estava registrado 150. E, por extenso, estava escrito: cento e cinqüenta abraços.

Então pensei comigo: esse Erico é mesmo um grande cara.

Depois acordei, estava chovendo aqui em Buenos Aires. Fui até a janela, fiquei olhando Puerto Madero nessa manhã de domingo. A cidade é bonita de qualquer jeito, pensei. Estava profundamente feliz com o que acabara de sonhar. Não sei de onde tudo isso veio, mas que bom que veio.

Guardei o cheque do Erico no cofre do coração.
 
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photo reproduzida do site da editora Companhia das Letras.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

La dulzura puede cambiar el mundo

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto


A frase me chamou a atenção enquanto tomava um café no Café Brasilero em Montevideo. Em tempos de radicalismos como os que vivemos, de todos os lados, ler algo assim alivia a alma.

Sim, a doçura pode mudar o mundo. Um pouco de açúcar nas relações, em todas as relações, faria muito bem ao planeta. Salvaria muitas vidas, despertaria os corações para a amizade, para o encontro, para a tolerância e o respeito.

Ninguém tem a verdade toda a seu lado. É preciso colocar-se no lugar do outro, é preciso tentar enxergar e entender suas razões e até suas sem-razões.

Para os que reivindicam direitos absolutos, em qualquer atividade ou situação da vida, vale lembrar que a liberdade e a democracia só se sustentam quando existem limites. Todo direito encontra limitação em outro direito. Sem limites, de uns e de outros, não há vida possível em sociedade. 

A propósito disso, em muito boa hora o filme argentino Relatos Selvagens, que tem o extraordinário Ricardo Darín como um dos atores, foi indicado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. São relatos que tratam justamente da falta de limites no comportamento das pessoas e das terríveis conseqüências que podem resultar.

Eduardo Galeano, em photos no Café

A frase do título está escrita nas embalagens de açúcar da marca uruguaia Azucarlito, que acompanham o cafezinho. Raras vezes um slogan foi tão feliz. Lê-lo, nestes tempos revoltos, é motivo de esperança.

O Café Brasilero fica na Calle Ituzaingó, 1447, na Ciudad Vieja. Foi fundado em 1877 e é patrimônio cultural de Montevideo. Freqüentado por escritores, artistas e poetas, recebe também estudantes e turistas. Entre os freqüentadores históricos, Eduardo Galeano e Mario Benedetti (já falecidos, infelizmente). O atendimento é atencioso e o lugar merece uma visita.

Interior do Café

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Azucarlito - Galeria:
 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

El pajarito triste

Jorge Adelar Finatto

Visão do Rio da Prata. Montevideo. photo: jfinatto, 14/01/2015
 
- Eu necessito desesperadamente de um amigo. Não quero alguém que me julgue, por favor.  As verdades, sobretudo as mais duras e profundas, não me interessam neste momento. Não quero um juiz nem um psiquiatra. Preciso de um amigo.
 
Um passarinho no galho de um plátano, aqui em Montevideo, me disse essas coisas. Eu caminhava pela Ciudad Vieja, hoje à tarde, quando ele me chamou. Sentei no banco da Plaza Constitución para escutá-lo. O passarinho triste tinha o cabelo espetado como os pássaros de sua idade, mas não andava com o bando.

Plaza Constitución. photo: jfinatto
 
Era um pássaro poeta e me falou de sua solidão. Eu não sou pássaro, mas compreendi perfeitamente o que dizia. Fiquei com dó do bichinho. Mas o que eu podia fazer? Sou um estrangeiro na cidade, conheço pouco o lugar, não tenho amigos aqui, estou só de passagem.

- Converse comigo, ele disse. Fazia um tempo agradável, a brisa corria na praça e na Peatonal Sarandí.

- Sinto falta de um amigo pra conversar coisas corriqueiras, do dia a dia, banalidades ou coisas sérias, não importa. Conversar sem medo, até tarde, até as cinco da manhã, você compreende? Como aquelas conversas de gente que não se vê há muito tempo.

- Qualquer coisa, nada misterioso, num café qualquer. Só ir pra casa dormir quando o sol espalhar o leque com os primeiros raios alaranjados sobre o Rio da Prata. Um amigo sem hora pra ir embora.

Antes que eu dissesse alguma coisa, ele saiu voando entre as árvores e desapareceu na tarde montevideana.

Enquanto estiver aqui, conte comigo, pajarito. Vamos montevidear pelas calles do Conde de Lautréamont, Mario Benedetti e Eduardo Galeano.
 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O barco mais triste do mundo

Jorge Adelar Finatto

photo antiga de Coimbra e do Mondego*

A minha paixão por barcos e navegações sempre me leva a cidades de mar ou rio. Sou um bicho das águas.

O fato de ter nascido e de viver numa cidade serrana é apenas uma das contradições que me definem.

O sonho menino de ser marinheiro jamais me abandonou. Contudo, nunca vesti a farda azul-marinho ou branca. Em contrapartida, conheço o suspiro das cordas que seguram os navios no cais.

A nostalgia das velas enfunadas não sai do meu coração.

Em Coimbra, existe um barco de passageiros com o nome de Basófias, fundeado no pequeno cais, perto do centro da antiga cidade portuguesa.

Resolvi um dia ir ao encontro do Basófias e fazer um passeio pelo Mondego, o rio que me faz sentir saudades de todos os rios do mundo.
Ocorre que, nas três ocasiões em que fui ao cais, não consegui realizar a navegação.

Numa das vezes, o barco estava em manutenção; noutra, não havia passageiros além de mim; numa outra ainda, o tempo mau do inverno não permitiu levantar âncora.

Em suma, nunca consegui viajar pelo Mondego no Basófias. A nave permaneceu, no meu imaginário, como um barco que jamais sai do cais.
 
A tripulação do Basófias é composta por marinheiros uniformizados a rigor, afáveis no trato. A pose e o orgulho náuticos não deixam dúvida de que estamos diante de calejados navegadores.

Às vezes, fico recordando as minhas tentativas vãs.

O Basófias, nas amarras que o impedem de lançar-se ao rio e cumprir o destino para o qual nasceu, é o barco mais triste do mundo.
 
De certa forma, o Basófias da minha lembrança é a metáfora da existência de muitos. Por isso, dele me enterneço.

Porque é o retrato de tantas vidas que ficam à margem, esperando no cais, esperando uma viagem que nunca acontecerá.
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Texto revisto, publicado antes em 03 de março, 2010.
* O crédito da imagem será dado tão logo informada a autoria
 

domingo, 11 de janeiro de 2015

Nelson Jungbluth

Jorge Adelar Finatto
 
Rendeira, 1981. Hotel Laje de Pedra. N.Jungbluth. photo: jfinatto

Convivi menos do que gostaria com o artista plástico Nelson Jungbluth (1921-2008). Os primeiros contatos foram para convidá-lo a fazer a capa do Caderno de Literatura nº 15, da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, em 2007. O tema daquele número foi O Brasil que veio da África. A capa, assim como toda a revista, ficou uma beleza.

detalhe Rendeira
 
Devo ter ido à casa do artista umas três, talvez quatro vezes. Falamos ao telefone em outras ocasiões. O último encontro foi num jantar, em Porto Alegre, com a escritora Helena Jobim, irmã do maestro Tom Jobim, para o qual o convidei.

Vendedor de peixes, 1981. Hotel L.de Pedra. N.Jungbluth. photo: jfinatto
 
Apesar do pouco tempo que durou nossa relação, sentia-me como se já o conhecesse há muito. Havia histórias, muito talento, generosidade e simplicidade no seu ateliê, no subsolo de sua casa. Era muito bom conversar com o Nelson, principalmente ouvi-lo. Ele tinha muita energia e entusiasmo pela vida e pelo trabalho.
 
Trabalhou com grande sucesso na publicidade (entre outras coisas, criou a Rosa-dos-ventos como símbolo da Varig, sendo responsável também pela identidade visual da empresa desde que nela entrou em 1946).

Um dia resolveu abandonar tudo para dedicar-se somente a sua arte. Foi um bem para arte.

Moça com cerâmicas, 1981. Hotel L. de Pedra. photo: jfinatto
 
A obra que construiu é original e vigorosa. É fácil identificar seu traço, nas formas, temas e cores vivas de suas pinturas.

A figura do gaúcho, nas suas mãos, ganhou encanto.
 
Tomando café da tarde no Hotel Laje de Pedra, o que faço com certa freqüência, essas recordações me vieram ao reencontrar alguns dos quadros de Nelson na parede. Há vários. Estão ali há muitos anos e não me canso de admirá-los. Fiz as fotos para ilustrar essas breves memórias e homenagear o amigo. 
 
detalhe Vendedor de peixes
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photos tiradas em 10/01/2015


sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O coração da noite

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 

A noite é breve. Não tenhas medo.

A noite tem pele trevosa e entra por tudo.

Há quem pense que é longa, misteriosa e sinistra.

Mas calma, a escuridão não se demora nos teus olhos, no portão, nas gavetas, nos espelhos, nas portas e nos retratos.

A noite passa. Não penses na morte.

Quem habitou a noite sabe que ela dura um suspiro.

Por isso, não tenhas receio nem te desesperes com a ausência provisória de luz.

A noite é apenas o descanso das seivas.

Só a noite dos loucos e dos moribundos não tem fim. É povoada de angústia, tristeza, dolorosa espera.

Em breve virá o amanhecer como nunca.

Quem vai apagar o breu profundo nos corações?

A pior escuridão é a que vem da alma.
 

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Os caminhos do amor

Jorge Adelar Finatto
 
Angela Gheorghiu
 
Esses dias Juan Niebla, o tocador de bandoneón da estação de trem abandonada de Passo dos Ausentes, relembrou como ganhou seu primeiro instrumento.* Foi numa viagem a Buenos Aires acompanhando Alberta de Montecalvino, a Senhora da Biblioteca.
A convite dela, que recém entrara na viuvez, Niebla enfrentou uma viagem de oito dias de trem até a capital argentina. Isso foi em 1956. Uma dama não podia, naqueles quandos, fazer viagem tão longa pelas terras do fim do mundo sozinha.
O velho músico disse que o motivo da viagem foi um encontro com o escritor cego Jorge De La Brume com quem Alberta trocava cartas havia três anos. Ele queria muito conhecê-la pessoalmente, mas a cegueira o impedia de vir a Passo dos Ausentes. Ele então a convidou para um encontro na capital argentina e ela, mulher independente, sensível, o coração pulsante de viúva fresca e jovem, não hesitou em ir ao seu encontro.
De La Brume morava com a mãe. A velha senhora recebeu os visitantes com fidalguia. Entre o escritor e  Niebla estabeleceu-se de imediato afinidade, e não só pelo fato de ambos serem privados de visão.

Havia entre eles crepúsculos, versos de Homero, cidades medievais, o temor do Finisterra, alamedas da memória a percorrer juntos. A tal ponto que o escritor presenteou o músico cego de Passo dos Ausentes com seu bandoneón de estimação, que habitava entre os livros na biblioteca.
 
Na tarde daquele dia memorável de inverno (julho), Juan Niebla tocou para De La Brume, sua mãe e Alberta Les Chemins de L’amour, do francês Francis Poulenc (1899-1963), valsa composta em 1940. Alberta contou que viu lágrimas caindo dos olhos fixos do escritor.
Impressionado com a história, prometi a Juan que procuraria o que tinha de melhor na interpretação da vieille valse. E foi nesse caminho que descobri a diva romena – nesse caso o epíteto tem toda razão de ser – Angela Gheorghiu, cantora lírica. Ela é sublime. Parece um anjo cantando.

Um anjo que veio para a Terra fazer a humanidade esquecer suas dores enquanto canta.
 
Juan Niebla e eu nos reunimos uma vez por mês desde então, no silêncio do escritório, para ouvir os discos de Gheorghiu. Além de boa cantora, ela é um mulherão. Dessas que derrubam um exército só com o olhar. Felizes nós que a descobrimos.
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Angela Gheorghiu canta Les Chemins de L’amour, de Francis Poulenc:
https://www.youtube.com/watch?v=Bo98WClIiG0 

domingo, 4 de janeiro de 2015

Os Conjurados

Jorge Adelar Finatto

Borges em photo de Diane Arbus
 

On his blindness
 
Ao fim dos anos me rodeia
uma insistente neblina de luz
que as coisas a uma coisa reduz
sem forma nem cor. Quase a uma idéia.
A vasta noite elemental e o dia
cheio de gente são essa neblina
de luz duvidosa e fiel que não declina
e que espreita no amanhecer. Eu queria
ver uma face alguma vez. Ignoro
a inexplorada enciclopédia, o prazer
de livros em minha mão, reconhecer
as altas aves e as luas de ouro.
Aos outros resta o universo;
à minha penumbra, o hábito do verso.
                                                       J.L. Borges¹
 
Um dos últimos grandes escritores a habitar o planeta, Jorge Luis Borges (1899-1986) nos deixou este belo livro antes de morrer na Suíça, em Genebra, aos 86 anos. Os Conjurados é uma espécie de testamento poético-existencial do grande autor argentino. Composto de breves textos, alguns em forma de poema e outros em prosa poética, foi a sua última obra, publicada em 1985.
 
Hoje, infelizmente, não temos muitos autores da dimensão de Borges. Resta, talvez, uma meia dúzia, se tanto, desse nível. O que se vê, em tempos de vaidade globalizada, são performers e pseudoescritores colocando balaios de livros nas livrarias do mundo inteiro todos os dias, buscando vorazmente as luzes dos meios de comunicação, a fama instantânea, o dinheiro. O recolhimento silencioso ao trabalho é exceção.

Está cada vez mais difícil encontrar um ser humano que não tenha publicado ao menos um livro na vida... E que obras lamentáveis colocam-se nas estantes e quantas florestas derrubam-se para editá-las... Aliás, eu não me excluo da malta, pois já andei publicando algumas coisas também...
 
Borges está sepultado no cemitério de Plainpalais, em Genebra. Segundo alguns, o enterro naquela cidade se deu por decisão unilateral de María Kodama, secretária do escritor durante muitos anos, que com ele se casou dois meses antes da morte. Para esses, Borges queria ser enterrado no histórico Cemitério da Recoleta em Buenos Aires.²

Mas eu não quero falar de intrigas envolvendo a senhora Kodama. Prefiro recordar aquele dia em que comprei, na estação rodoviária de Porto Alegre, esse pequeno livro de valor extraordinário. Foi numa banca de jornais e revistas que o encontrei, eu tinha acabado de chegar de uns dias no meio do mato, numa casinha à beira de um riacho, com cheiro de flor de laranjeira à volta.

Sei que perdi tantas coisas que não poderia contá-las e que essas perdições, agora, são o que é meu. (...) Não há outros paraísos a não ser os paraísos perdidos.
                                                                 J.L.Borges ³

Isso foi em janeiro de 1986. O livro veio junto com a edição  recém-lançada da revista Status, da Editora Três. Provavelmente seria a edição do mês de dezembro e vinha com o aviso: Não pode ser vendido separadamente. Trata-se de edição histórica, bilíngüe, publicada no mesmo ano em que a obra foi lançada na Espanha pela  editora Alianza Tres. A tradução, que parece muito boa, é do jornalista Pepe Escobar, que afirma na contracapa:

Em sua última coletânea de poemas, o último sábio sobre a Terra continua fiel a suas pátrias - Shakespeare, a névoa da cegueira, espadas, reflexos, labirintos, espelhos, Genebra. Mas o habitante principal desses versos tecidos na penumbra é sem dúvida a morte (...)

Borges é um acontecimento muito antigo na minha vida. Encontro nele a felicidade do escrever, e a melancolia também, e o desespero discreto da cegueira, e a sabedoria acumulada de outras épocas, de outras vidas talvez, vividas essencialmente através dos livros que leu e das histórias que resgatou do oblívio em conversas pelo mundo afora. Era um conversador interessado, gentil, não raro alegre.


Os Conjurados foi um dos nossos encontros, quem sabe o mais luminoso. Senti vontade de reler o mestre (que nunca se apresentou como tal) nesses dias em Porto Alegre e fui até a estante. O primeiro livro dele que pesquei foi justamente Os Conjurados.

A entrega de Borges nesses textos é total. Identificamos em cada um não apenas o escritor senhor de seu ofício, construindo magia com as palavras, mas um ser humano se revelando.

Os Conjurados é como uma despedida, um solo de violoncelo no fim da tarde, um adeus amoroso a todos os que ficam e, principalmente, a celebração da vida pela comunicação escrita. Retornar ao livro e reencontrar nele, tanto tempo depois, a maravilha é uma grata emoção. Recomendo de coração.

Não há poeta, por medíocre que seja, que não tenha escrito o melhor verso da literatura, mas também os mais infelizes. A beleza não é privilégio de uns quantos nomes ilustres. Seria muito raro que este livro, que abarca umas quarenta composições, não entesourasse uma só linha secreta, digna de acompanhar-te até o fim.  
                                                                   J.L.Borges 4
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¹Os Conjurados, Jorge Luis Borges, p.59. Tradução de Pepe Escobar. Editora Três,  São Paulo, 104 pp., 1985.
²Blog de Ariel Palacios:
³idem a 1, p. 63.
4idem a 1, p. 9.
Veja também: Borges e a névoa do tempo:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/03/jorge-luis-borges-e-nevoa-do-tempo.html
 

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O Mondego

Jorge Adelar Finatto
 
Rio Mondego, Coimbra, Portugal. photo: jfinatto
 
 
Vou encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu'é da tua água,
Qu'é dos prantos que eu chorei
                                            António Nobre


O Mondego
me dá
saudade
do Guaíba

os últimos barcos
partem
ao entardecer
deixando atrás
o sonho dos homens

o poema de António Nobre
escrito na pedra
à beira do rio
me recorda Porto Alegre
seus poetas esquecidos

a bilha vazia
da alma

o açúcar queimado
do crepúsculo
em Coimbra
me faz voar
sobre os telhados
agarrado no vestido
da Princesa Inês
 

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Poema do livro Memorial da vida breve, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.