quinta-feira, 24 de julho de 2014

Ariano

Jorge Adelar Finatto
 
Ariano Suassuna. fonte: www.paraiba.com.br
 

Em 1985, recebi um telefonema do grande Ariano Suassuna, falecido nessa quarta-feira (23/7/14), aos 87 anos. Motivo: ele recebera o meu livro Claridade, que lhe enviara alguns dias antes. Queria manifestar seu agradecimento pelo poema que lhe dediquei.
 
Fiquei feliz com o gesto. Passei a admirar ainda mais o autor do Romance da Pedra do Reino, um clássico brasileiro que figura entre os melhores romances publicados na Terra de Vera Cruz no século passado e em todos os tempos.
 
Um livro impressionante em invenção, criação de linguagem, sintaxe, desenvolvimento. Penso que não exagero colocando-o ao lado do Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Dois monumentos de língua portuguesa com raiz brasileira.
 
O poema que escrevi dá conta dos impasses que o atormentavam e que ele revelou em notícia publicada na Folha de São Paulo em 1981. Ao lê-la fiquei desolado e impactado com sua idéia de abandonar a escrita. Logo ele, autor de obras tão reveladoras do Brasil. Felizmente, o momento de desalento foi superado e o escritor trabalhava com entusiasmo quando conversamos.

Seja nos textos para teatro, seja em obras como a Pedra do Reino, o que encontramos é uma literatura impregnada com uma rica visão de mundo a partir de vertentes fortemente sustentadas no modo de ser, sentir, pensar e criar dos brasileiros do nordeste. Ariano era paraibano e foi morar com a família em Recife, Pernambuco, em 1942.
 
Uma parte de sua obra foi vertida para televisão e cinema, tornando-o um autor conhecido e respeitado em todo o país. 
 
Ele foi um dos poucos que souberam ver o Brasil real e o imaginário, o país profundo com longas raízes na cultura popular.
 
Não tive o prazer nem a ocasião de assistir a uma de suas famosas aulas-espetáculo, que tanto deliciavam quem as assistia pelo saber e pela alegria que transmitiam. Com grande simplicidade e um intenso sentimento pelas coisas do nosso povo, ele foi um professor caminhando ao lado dos alunos, nunca acima, e um sábio sem ostentação.

Eis o poema, tendo por epígrafe a notícia que lhe deu origem:
 
Aos 54 anos, o escritor se despede "para tentar reunir os estilhaços" em que se despedaçou com o passar do tempo, na tentativa de "ver se ainda é possível recompor com eles alguma unidade". Longe dos livros - "sobretudo dos melhores" - e também das cartas, jornais, revistas, televisões, dos amigos e da própria família, Suassuna tentará livrar-se dos "sonhos, quimeras e visões às vezes até utópicas da vida e do real", que o atormentam há algum tempo. (Folha de São Paulo, 16.8.1981)

Abro o jornal de manhã
com aquela notícia: Ariano Suassuna
calou-se pro mundo

o silêncio enche os corações
lota os teatros
embrenha-se entre as anotações
invade as estantes

felino
enovela-se a um canto da sala
gotejando sangue pelos ouvidos

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Poema do livro Claridade, Prefeitura Municipal de Porto Alegre e Editora Movimento, Porto Alegre, 1983.