terça-feira, 10 de junho de 2014

O homem que roubou o sol

Jorge Adelar Finatto

pintura: Maria Machiavelli


Um homem de coração triste pode entristecer a vida de muita gente.
O sol está preso no sótão da casa do homem sem esperança.

Em uma manhã de infinita tristeza, ele ergueu os braços, apanhou o sol com as duas mãos, como se fosse uma laranja, e o levou para o trevoso lugar. Desde então, não mais o devolveu para a rua onde mora.
 
- Nunca, nunca mais vou soltar o sol -, disse a um grupo de meninos e meninas que foram até a frente de sua porta pedir a libertação do astro-rei.

- Ninguém mais vai ver a luz nem receber calor nessa rua.
 
À noite, os vizinhos observam a estranha claridade que escapa pela claraboia. Raios iridescentes giram entre si, perpassam o espaço e vão em direção ao vazio do universo.

Nenhum, no entanto, fica para iluminar aquele pequeno lugar mergulhado na sombra.
 
O homem triste tem uma pedra enorme, pesada e fria, no coração. Uma lápide com uma inscrição feita numa estranha, obscura língua que ninguém entende. Ele não consegue mais falar nem sentir.

O roubo do sol foi um ato de desespero, de revolta com coisas más que aconteceram na sua vida. Ao agir dessa maneira, privou a rua e seus habitantes de luz, calor e alegria.
 
É preciso trazer urgentemente de volta o homem triste para o convívio da rua, antes que tudo em volta dele congele, antes que os corações esfriem, antes que desapareça a vida daquele lugar.
 
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Pintura: Maria Machiavelli, artista plástica em Passo dos Ausentes.
Texto revisto, publicado antes em 12 de setembro, 2011.