segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Julio Cortázar em Porto Alegre

Jorge Adelar Finatto






A literatura passa um sentimento de permanência das coisas. Nós passamos, as palavras escritas ficam. A maior parte dos livros dura muito mais do que as pessoas.

Os escritores que escolhemos para nos acompanhar na travessia são fundadores dessa eternidade de papel. Os livros fazem parte do que somos.

A lembrança mais remota que associo ao nome do escritor argentino Julio Cortázar (1914 - 1984) é dos primeiros tempos de estudante universitário em Porto Alegre. O ano 1976, tinha dezenove anos. Estava lendo Histórias de Cronópios e de Famas e As Armas Secretas.

A fila do restaurante universitário era torturante pra quem tinha que ir pro trabalho cedo da tarde como eu. Estudante pobre, precisava trabalhar pra sobreviver, como muitos. Nas filas do r.u., lia Cortázar (foto). Então, aquele era também um bom momento do meu dia. Depois li outros livros dele.

Agora, lendo Papéis Inesperados (tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht), livro de 490 páginas, com textos inéditos do escritor, publicado originalmente em 2009, vinte e cinco anos após sua morte, reencontro Cortázar. No Brasil, o livro foi lançado em 2010 pela Civilização Brasileira.

Os textos - encontrados em uma velha cômoda, na casa onde morou o autor, em Paris, por sua viúva Aurora Bernárdez - são poemas, contos, outras histórias de cronópios e de famas, outros episódios de Um tal Lucas, um capítulo de O Livro de Manuel, discursos, prólogos, artigos de arte e literatura, crônicas de viagem, etc.

A felicidade de encontrar material novo do autor, tantos anos depois, é muito grande.

O dado inusitado e, para nós que amamos a literatura de Julio Cortázar, muito gratificante foi descobrir uma menção a Porto Alegre no texto Never stop the press, onde se lê a frase "uma vista escolhida do Tirol e/ou de Bariloche e/ou de Porto Alegre" (pág. 117).

Sei que Cortázar gostava do Brasil, onde esteve pelo menos em duas ocasiões, e que admirava, por exemplo, Clarice Lispector e Carlos Drummond de Andrade, além de apreciar nossa música, especialmente Caetano Veloso, mas ignoro se alguma vez esteve em nossa cidade.

De qualquer forma, ver Porto Alegre no texto de Cortázar, ainda que só de passagem, dá o que imaginar. Pensando bem, acho que ele tinha muito a ver com a cidade povoada de barcos e crepúsculos, jardins escondidos na frente de casas desaparecidas, quintais perdidos no tempo.

Silenciosos gatos caminham sobre muros cobertos de hera em ruas esquecidas habitadas por fantasmas.

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Texto atualizado, publicado em 11 de agosto, 2010.