quinta-feira, 25 de julho de 2013

O gato no escritório

Jorge Adelar Finatto

 
photo: j.finatto
 

Anda comigo, vai onde eu vou, dorme e acorda a meu lado um gato invisível. O pelo azul claro e brilhante ofusca quando o vejo caminhando ao sol. Os dentes afiados, brancos, aparecem na intermitência do bocejo. O gato nasceu no mesmo dia em que eu nasci e nunca mais me abandonou. Gosta de ficar sentado na janela da minha solidão.
 
Não é um gato de raça conhecida. É um tipo que não se encontra nos livros nem no google. Ele apenas está por perto, sua presença é como a extensão da minha sombra.
 
Às vezes, quando me distraio, ele some no ar. Se começo a pensar na passagem do tempo, no sumidouro do calendário, na vida por levar, nos problemas sem solução, ele torna a surgir numa mansidão de fazer inveja. Costuma deitar sobre o tapete do escritório, ao pé das estantes. Enquanto me esfalfo trabalhando ele ronrona.

Como os gatos em geral, o meu gato é muito silencioso. Toda vez que tento pegá-lo ele desaparece e surge noutro lugar. Não se deixa acariciar. Não come, não bebe leite nem água. Raramente mia, e quando o faz é um miado infantil. O bichano não caça mas às vezes sonha que está correndo e pulando atrás de coloridas borboletas pela casa.

Não sei se alguém enxerga o meu felino. Não costumo conversar sobre isso, porque é difícil falar de um ser como ele. Muitos dirão que estou inventando (a falta de imaginação está acabando com a graça das coisas). Alguns só acreditam naquilo que podem tocar, comprar e levar pra casa, em nada mais.

O mundo materialista em que se vive virou as costas para o invisível. Esse é um dos problemas da humanidade. As pessoas perderam a fé. A maior parte das coisas que valem a pena não se vê e não se toca. Alguém já pegou um sentimento com as mãos? E, no entanto, não existe nada mais forte e real.

Ninguém, em tempo algum, conseguiu segurar na mão uma única cor do arco-íris. Muitos quiseram, eu mesmo tentei várias vezes, mas não tem jeito. O raio de luar é uma coisa branca, suave como uma seda que ondula ao vento, mas ninguém põe a mão.

E os sonhos só se entregam a quem busca algo além da realidade tangível. Quem sonha habita um mundo que ainda não existe, mas que poderá vir a ser.

O meu gato faz parte desse universo invisível e essencial. Tem uns olhos amarelados e miúdos. E deixa na casa, e dentro de mim, um gosto morno de infância e novelo de lã.