quinta-feira, 6 de junho de 2013

Shuukatsu, o perfeito funeral

Jorge Adelar Finatto


photo: camélia. j.finatto
 
A notícia vem do Japão. Shuukatsu é o mais instigante neologismo surgido naquele país recentemente. Resulta da combinação dos termos "fim" e "agir", significando "preparar o seu próprio fim". Cada vez mais as pessoas preparam a própria morte para não transferir o problema aos outros.

Li sobre o assunto na Folha de São Paulo.* Diz o informe que no Japão, ao final de cada ano, são escolhidas as novas palavras mais populares, selecionadas por um júri de intelectuais. A seleção é promovida pela editora Jiyu Kokumin, que publica o anuário Gendai Yogo no Kiso Chishiki (informações sobre vocabulário contemporâneo), obra muito esperada, cujos verbetes indicam neologismos que poderão vir a fazer parte de dicionários.

A palavra shuukatsu foi lançada no semanário Shukan Asahi, que publicou várias reportagens sobre o tema em 2009. A expressão ganhou força no ano passado, quando o jornalista Tetsuo Kaneko, antes de morrer de câncer, aos 41 anos, preparou o que a imprensa denominou o funeral perfeito, escolhendo até mesmo a flor para ficar ao lado de sua foto durante o velório.

Pra completar, o ministro das Finanças do Japão, Taro Aso, declarou, em janeiro passado, segundo o mesmo artigo, que uma pessoa idosa como ele, 72 anos, deveria "se apressar e morrer", desonerando desta forma o Estado.

Pelas regras do shuukatsu, o futuro defunto deve resolver as dívidas que possui, deixando tudo pago, o túmulo inclusive, elaborar um testamento que afaste as brigas entre herdeiros, bem como acertar os detalhes da cerimônia.

Pois era isso o que faltava, digo eu.

A prática é realista, não há novidade, muitas pessoas sempre se ocuparam disso, desde os antigos egípcios. Mas é triste.

Vive-se, em geral, muito mal e, para compensar, antecipam-se os preparativos para o fim da vida. Uma beleza, né! 

Se a vida está muito difícil, se viver se tornou insuportável, se doenças galopantes nos espreitam, se os donos da rua, da cidade, do país e do planeta tornaram o mundo um lugar intolerável, quem sabe não será a hora de se cuidar com desvelo da própria morte, antecipando a fuga deste mar de lágrimas?
  
A idéia está bem de acordo com o conselho do senhor ministro das Finanças: que os idosos se apressem e morram, facilitando assim as coisas para o Estado. Pois é.
 
Eis aí, portanto, o que resta do ato de ter nascido: passar os últimos tempos, alguns meses, talvez anos, organizando o próprio funeral, e tome correr para quitar dívidas, fazer testamento, escolher as flores do velório, as últimas roupas, a maquiagem, a música, a lista de convidados, comes e bebes, texto de despedida, quem sabe um vídeo com as últimas declarações aos que ficam.
 
De minha parte, aviso que não pretendo aderir ao shuukatsu, pelo menos não por agora.  É que ainda ando atrás de uma alegria, uma pequena alegria que ilumine meu dia. Não estou falando de felicidade, mas de um instante de ternura, harmonia, amizade.

Estou exausto de viver no meio de tanta morte.

Ando à procura de um jardim de camélias debaixo do céu azul. E quero a louca esperança de acreditar que alguma coisa boa virá pelo caminho na vida de todos nós.
 
__________________
 
* O verbete, por Angelo Ishi, Folha de São Paulo, edição de 27 de janeiro, 2013, caderno Ilustríssima. O autor do texto, 44 anos, é jornalista e professor de Sociologia em Tóquio.