terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Ossos do vento

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto. estrada Nova Petrópolis a Picada Café

 
Um silêncio dentro do silêncio
                             um novelo desfiado no vento
                                                      um arabesco gravado no tempo.
 
Caminhos dos Campos de Cima do Esquecimento. Vou pela curva da estrada, à sombra verde dos plátanos. Tão bom andar assim na beirada sinuosa dos precipícios, ouvindo o claro silêncio das nuvens.
 
No Contraforte dos Capuchinhos, visito Claudionor, o Anacoreta, que não via há muito tempo. No mosteiro onde vive, passei um dia em recolhimento espiritual na sua caverna mística. Enquanto olha - lá de cima - o distante Vale do Olhar, Claudionor me diz:
 
"Tem dias que escuto meus ossos sacolejando no bornal de Deus.
 
"Um dia, quando eu for só silêncio, Ele virá me buscar.

"Reunirá meus restos de humanidade, me carregará nos braços para outro lugar onde vou renascer. Sim, quero nascer outra vez, uma nova oportunidade. A vida é muito escassa. Vivi anos, décadas, decifrando o invisível em salas solitárias, folheando livros obscuros, tateando a sombra, orando.
 
"Na existência que me espera, vou passar os dias nas estradas. Um amanhecer em cada lugar, um amigo em cada canto, um olhar de cada vez."

Voltei a Passo dos Ausentes sentindo o cheiro da uva recém colhida dos parreirais. Comprei na beira da estrada dois cestos de vime cheios do bom fruto.

Volto mais leve - e menos só - depois de ter conversado com Claudionor.