segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sejamos sinceros ao pôr-do-sol

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto

Escrever poemas é traduzir em palavras a poesia errante do mundo. O poema é uma construção verbal que se faz com intelecto e sentimento.

Mas atenção: poetas não fazem poesia: fazem poema, que é um objeto de linguagem. A poesia existe solta no mundo, independente dos poetas. Esta a lição nunca esquecida que aprendi com o grande Heitor Saldanha¹.

Poeta é, portanto, quem vê e sente a poesia que existe livre por aí. Nem todo poeta, contudo, faz versos. A maior parte das pessoas vive a poesia em estado bruto simplesmente, sem atentar para versos e livros de poemas.

Entre os que escrevem, há poetas que custam a aparecer em livro, não obstante produzam textos de qualidade. Outros existem que têm muita pressa e cedo se lançam em página impressa, apresentando composições de escassa realização poética.

Na estirpe dos primeiros, quero destacar um autor que até hoje não publicou um livro de sua lavra. Rigoroso no escrever e no mostrar, apenas raramente nos deu a conhecer, de forma esparsa, o produto de seu trabalho.

O bardo em questão escreveu luminosos versos entre os 16 e os 19 anos, em meados da década de 1970. Um poeta adolescente de rara extração, que se construiu entre os pinheirais do planalto do Rio Grande do Sul e as movimentadas e solitárias ruas de Porto Alegre.

O ofício da medicina, talvez, fez do homem um poeta recluso. Sei que nunca abandonou a lira, apesar das ingentes exigências do consultório. Continuou a escrever. Mas o fato é que o persistente ineditismo, a esta altura, produz um vazio de difícil compreensão.

Eis alguns poemas de Paulo Ricardo Fabris².


Solidão

acho que nunca
verei o sol varar
o casarão e penetrar
na sala-de-estar
e almoçar conosco
na mesa-de-jantar

Aviso tardio

No silêncio corria
um vagão de estrelas
pela cidadezinha...
Só não viu quem não quis!

O vento é um louco

Não sei há quanto tempo...
sei que os vaga-lumes dançavam
e as amadas eram cata-ventos!

Sejamos sinceros ao pôr-do-sol

Sejamos sinceros ao pôr-do-sol
beirando o milharal
beirando a paixão que cresce
como a barba longa do luar.
Sejamos sinceros ao pôr-do-sol
beirando o cais
beirando o forte aperto de mão
com que os verdadeiros amigos nos recebem.
Sejamos sinceros
indo até o bar beber mais um pouco
até beirar a sempre-viva verdade.
Sejamos sinceros
ao pôr-do-sol
ao pôr na mesa
o coração e o sangue.

Um dia, talvez, ainda vamos ler o livro com os poemas deste autor discreto e talentoso. E será uma revelação para a poesia.

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1. Sobre Heitor Saldanha:

2. Paulo Ricardo Fabris, médico, poeta. Estes poemas foram extraídos da antologia Paisagens, Editora ML Ltda., Porto Alegre, 1977.