segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

António Lobo Antunes: Ah, se pudesse escrever como Messi joga futebol!

Jorge Adelar Finatto

photo de António Lobo Antunes. Autor: Pedro Loureiro, El País.

O que li até agora do escritor português António Lobo Antunes foi seu Livro de Crônicas, que me causou excelente impressão. O autor se nutre de material cotidiano, da memória e do inconsciente, compondo páginas onde se destaca a realidade não desprovida de ternura. Um texto denso, econômico nos adjetivos, no qual se percebe uma visão de mundo entre a crueza, a melancolia, a lucidez e o afeto.

A seguir, reproduzo alguns trechos da entrevista que ele concedeu ao jornalista Antonio Jiménez Barca, do jornal espanhol El País. A matéria foi publicada em 14 de janeiro último. Nascido em Lisboa (onde vive), em 1º de setembro de 1942, Lobo Antunes completará 70 anos em 2012. Médico psiquiatra por formação, entre 1971 e 1973 atuou como tenente-médico do exército português, em Angola, durante a Guerra Colonial. Essa dura experiência atravessa alguns de seus livros.

Exerceu a medicina até dedicar-se integralmente à literatura.

É um dos autores portugueses mais lidos e premiados da atualidade, tendo publicado diversos livros, entre eles Memória de Elefante e Os cus de Judas. O mais recente (2011) é o romance Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar?

Seguem as declarações de Lobo Antunes a Antonio Jiménez Barca, que verti para o português em tradução livre.

                                                     
§ O que eu gosto, o que eu persigo nos livros é a felicidade na mão do escritor.

§ (...) sabe o que dizia Cervantes do castelhano? Que era como o português, porém com osso. É verdade: o castelhano é um idioma muito forte. O português é muito plástico, um bom idioma para escrever. Mas esconde o perigo de sua própria facilidade. Tens que lutar todo o tempo contra essa facilidade... É muito mais difícil fazer um bom livro em francês que em português, creio. Por isso o trabalho de Céline ou de Proust me parece incrível.

§ Enquanto se escreve não se pode pensar no leitor. Se fazes mesuras ao leitor, o livro resulta ruim. Falei muito com Juan Marsé (um amigo meu que gosto muito como escritor, cujo último romance, Caligrafia dos sonhos, me parece uma maravilha) que não se pode transigir nisso. O escritor tem que fazer o que tem que fazer. E se agrada ao leitor, melhor. E se não lhe agrada...

§ Levei muito tempo para encontrar meu estilo, muitos anos. Com trabalho.

§ (...) comecei a publicar tarde, com 36 anos. (...) jamais volto a ler o que escrevi. (...) porque tenho medo de encontrar defeitos muito grandes e pouca qualidade. Só se pode escrever se estamos convencidos de que é o melhor. E depois, é tão difícil, e há tantas decepções com os próprios livros...

§ Cada vez mais os livros se fazem sozinhos. Antes os planificava muito. Agora não.

§ (...) normalmente, trabalho 12 horas por dia. Agora não. Agora espero. Não sei se já escrevi meu último livro, se vou ser capaz de escrever um outro. A verdade é que nunca sabes...

§ (...) escrever é a única coisa que sei fazer, que faço. Além disso, tenho a impressão de que os livros não me pertencem, de que nem ao menos tenho o direito de pôr o nome na capa. Eles vêm de partes tuas - ou não tuas - que não conheces. Nos bons momentos a mão caminha só.

  A literatura não se faz com a lógica da cabeça, senão com a dos afetos, com a dos sentimentos ou das emoções.

§ As primeiras redações são sempre ruins. O problema não é escrever, mas corrigir. Para corrigir, teu estado de espírito deve ser completamente diferente. Aí se tem de estar vigilante. E tratar de vertebrar teu delírio.

§ Nunca servi para outra coisa. Não sirvo para a vida prática. Nem sequer tenho computador: escrevo à mão, porque é como bordar, gosto do cheiro do papel, gosto dessa coisa artesanal da escrita, o desenho das letras. Há três ou quatro coisas importantes na vida: os livros, os amigos e as mulheres... e Messi. Há pouco o vi, na tv, no Mundialito.

 Ah, se pudesse escrever como Messi joga futebol! A bola parece apaixonada por ele!

§ As pessoas vivem muito mal em Portugal agora. Faz dois dias, fui comprar cigarro e no quiosque duas senhoras quase se matam por dez centavos. Este bairro é um bairro pobre, onde há restaurantes muito baratos, tascas modestas, onde podes comer por cinco ou seis euros. Antes estavam sempre cheios. Agora estão vazios. As pessoas não têm dinheiro. O desemprego aumenta e, ao mesmo tempo, há uma classe social com muitíssimo dinheiro. É tudo muito injusto.