segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A alma não é casa de assombração

Jorge Adelar Finatto



Se encontro um fantasma querendo se acomodar, num dia ventoso, um travo de ausência de mim mesmo no ar, como hoje, começo a escrever e expulso o intruso. Sai pra lá, longe de mim, coisa sombria.

Os gelos eternos da solidão humana. A frase me vem a propósito das mil coisas a que a sobrevivência nos obriga. É um ofício medonho e insano. 

Quando menos esperamos, lá está o fantasma no ambiente de trabalho. Outras vezes, em casa, ou em ambos. Aparece sentado no escritório ou na mesa de jantar; com a mão na cintura, surge de pé, na curva da escada; exibicionista, pendura-se no lustre. E tem esses que vão entrando pela casa, pelo telefone ou pelo computador, sem pedir licença, trazendo más notícias ou simplesmente sendo desagradáveis.

Os fantasmas também costumam esconder-se nos armários, gavetas, corredores, sótãos. Embrenham-se nas velhas anotações, gostam de habitar antigos retratos, remexem cartas esquecidas, cadernos extraviados.

Às vezes um grupo joga cartas dentro do guarda-roupa. E dizem o tempo todo: não haverá beleza, nem sossego, nem alegria. Se deixar, eles ficam morando na casa e no coração da gente.

A luta contra os fantasmas é uma luta de ganhar ou afundar na melancolia.

Nem todo fantasma é mau, claro. Como em tudo, há exceções. Alguns são inofensivos e até meigos. Heitor dos Crepúsculos e Arquibaldo Van Der Brook, por exemplo, me visitam, tomam café comigo, saímos a caminhar pelas ruas estreitas de Passo dos Ausentes. Mas são visitantes que chegam e depois vão-se embora.

Os fantasmas se alimentam do nosso medo e da nossa tristeza. Mas as manhãs expulsam a escuridão. Essa é a hora sagrada de fazê-los desaparecer e não permitir que andem ao nosso lado.

A alma não é casa de assombração.

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photo: j.finatto. Vale do Quilombo, Canela, Rio Grande do Sul.