terça-feira, 9 de agosto de 2011

Festival de Cinema de Gramado 2011. Com licença, realidade: chegou a hora da ilusão (IV)

O Cavaleiro da Bandana Escarlate


photo: j.finatto


Depois de um dia trevoso, submerso em chuvas, no fim de tarde o astro-rei mostrou a tímida face entre as pesadas nuvens. Tão reticente chegou, cedo partiu. A névoa veio e tomou conta de Gramado. Na noite, mais chuva. Este foi o cenário dessa segunda-feira, 08 de agosto.

O Festival de Cinema, nesta 39ª edição, começou oficialmente na sexta-feira, com os salamaleques de costume, e se estenderá até o próximo dia 13.

O tempo é curto, a esperança de bons filmes é longa. 

Conforme prometido no post do dia 10 de julho, aqui estou para as primeiras impressões. E começo por onde devia terminar.

Conclusão. Os cineastas brasileiros podiam inspirar-se um pouco no trabalho de seus colegas argentinos e fazer um cinema melhor. Uma temporada na Argentina seria de grande valia para o nosso cinema.  A arte cinematográfica que se realiza no vizinho país do Rio da Prata está num patamar bem mais elevado do que a feita aqui na Terra de Santa Cruz. Se há algum nacionalista incomodado na sala, favor não atirar neste comentarista-por-acaso.

Medianeras Buenos Aires. Este filme argentino, exibido na noite de sábado, vem no caminho do belo cinema produzido no país irmão, nos últimos 20 anos, pelo menos. Concorrente ao prêmio de melhor filme estrangeiro, conta a história de um homem e uma mulher, ambos jovens, solitários, vizinhos que nunca se encontram. Vivem perto, mas ignoram a existência um do outro. Medianeras são paredes que separam os edifícios. O filme fala de solidão, de incomunicabilidade, da dureza da vida na cidade. Direção de Gustavo Taretto.

A melhor idade.  Entre os quatro curtas-metragens exibidos na mostra competitiva, na tarde de segunda, o que mais me chamou a atenção foi A melhor idade, dirigido por Angelo Defanti. Conta a história de um velho de 70 anos, viúvo que vive sozinho, doente de diabetes, em estado avançado. Tendo de escolher entre o tratamento da doença, cujo sinal mais visível é uma enorme ferida na perna direita, e o pagamento mensal da assinatura da tv a cabo, escolhe esta última. "Aos 70 anos, quem precisa de pernas?", é a pergunta que faz o irônico Antenor. A interpretação de José Wilker, no papel do velho, é excelente.

Polaroid Circus. Direção de Marcos Mello e Jacques Dequeker, este curta foi filmado em Paris. A personagem Maria sai pela cidade a fotografar artistas de rua com sua Polaroid, tendo como fundo musical o envolvente solo de saxofone de um músico negro e cego que toca seu instrumento nas margens do Sena. O trabalho apresenta dois grandes momentos: a brilhante fotografia de Jacques Dequeker e a ótima trilha sonora de Alexandre Guerra. O filme é bom, no geral, mas acho que a história poderia ser melhor.

La lección de pintura. A minha boa expectativa para esta terça é o chileno La Lección de pintura, dirigido por Pablo Perelman, que passará logo mais às 19h.

Rubens Ewald Filho. Antes disso, pretendo ir ao Hotel Serra Azul, às 15h, para ouvir o lúcido crítico e estudioso Rubens Ewald Filho falar sobre cinema.

Fernanda Montenegro. A grande atriz brasileira será homenageada no Palácio dos Festivais, às 20h45min, com o Troféu Oscarito. Estarei lá com minha emoção e meu aplauso.

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O Cavaleiro da Bandana Escarlate, menestrel medieval e livre-pensador, faz a cobertura do Festival de Cinema de Gramado para o blogue a convite de Alberta de Montecalvino.

Canção sem acordes

Ricardo Mainieri


photo: j.finatto



Deixarei o conformismo
jogado na lata de lixo.

Despirei os uniformes
do cotidiano
o bom-dia formal
o sorriso-gatilho no rosto.

Estou enjoado
frases feitas
pratos feitos
da revolta que não é feita.

Sou um homem
no macrocosmo dos espelhos
tonto
mas não vou tombar.

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Do livro A travessia dos Espelhos. Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1990.