sábado, 28 de agosto de 2010

Um doce olhar

O Cavaleiro da Bandana Escarlate


Somos todos sobreviventes em um mundo que despenca ao nosso redor. Só há uma permanência em nossas vidas: a ausência.

Existe algo além de sexo barato, violência gratuita (doentia) e desprezo pelo humano no ar. Ao contrário do que pensa  uma parte dos realizadores de filmes, séries e novelas, pode haver mais do que isso. Sugerem eles que produção que atrai público é  aquela que  beira ou cai na baixaria. Não é verdade. As pessoas, em geral, gostam do que é bem feito, do que fala ao coração e ao pensamento.

O filme turco Bal (Um doce olhar, 2010), dirigido por Semih Kaplanoglu, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim deste ano, é obra simples e de grande qualidade. Nunca é demais lembrar que, na arte, o simples é o mais difícil de fazer. Muito mais fácil é ser pretensioso e ralo.

O título original, Bal, significa mel. A história se passa numa  pequena povoação em região montanhosa (muito bonita) da Turquia. É a parte final de uma trilogia de Kaplanoglu. Os outros dois títulos são os longas Yumurta (Ovo), de 2007, e Sut (Leite), de 2008.  Cada um deles mostra uma fase na vida do personagem Yusuf. Ovo trata do homem adulto, poeta sem reconhecimento, dono de um sebo, que retorna à cidade onde nasceu para o enterro da mãe. Leite enfoca o jovem que não consegue entrar da universidade, não é aceito no serviço militar e quer escrever poemas. Esses dois filmes não passaram ainda no Brasil, salvo em exibições especiais. Mas  não há problema para a compreensão de Um doce olhar. Cada um pode ser visto de forma independente. Os três compõem o roteiro de uma vida ao contrário.

Um doce olhar apresenta Yusuf (o ator mirim Bora Altas) com seis anos, vivendo entre montanhas, pássaros, córregos, sons, cores e mistérios da floresta, ao lado do pai, o apicultor Yakup (Erdal Besikçioglu), e da mãe Zehra (Tülin  Özen), cultivadora de chás.

A delicada obra mostra o olhar do menino se apropriando do mundo. É um olhar primevo, inaugural, iluminado pelo contato físico e espiritual com os seres e coisas que o cercam. Yusuf tem dificuldades na escola, onde está aprendendo a ler. Vai e volta sozinho pela estrada de chão. Muito tímido, gagueja sempre, quase não se relaciona.  A pessoa com quem mais e melhor se dá é o pai, que lhe passa conhecimentos sobre seu trabalho e a natureza. A história marca a passagem de Yusuf para outra esfera de consciência, em razão de um doloroso acontecimento.

A fotografia é cativante, com planos longos e silenciosos. Poucos diálogos. Gestos, expressões, objetos e árvores valem muito neste belo filme.

Somos todos sobreviventes em um mundo que despenca ao nosso redor. Só há uma permanência em nossas vidas: a ausência.

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A Sociedade Histórica, Geográfica, Filosófica, Literária e Geológica de Passo dos Ausentes (SHGFLGPA), leia-se Dom Sigofredo de Alcantis na presidência, Alberta de Montecalvino e Juan Niebla no setor cultural, me convida para continuar a escrever neste blog, depois dos textos que rabisquei sobre o Festival de Cinema de Gramado. Acho um gesto de  coragem  e grandeza da parte deles.

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Foto: Yusuf e o pai. Divulgação. Paris filmes.

Saiba mais sobre O Cavaleiro da Bandana Escarlate nos posts de 27 de abril  e 29 de julho de 2010.