segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Os sapatos da primavera

Jorge Adelar Finatto




Da minha janela eu vejo a rua. A rua é um pedaço do mundo. É só uma rua entre tantas.

O mundo é um rio largo e fundo. O tempo das folhas secas cessou. A claridade de setembro invade a sombra.

Escuto na calçada o som de passos que vêm de muito longe. Mas não há ninguém lá fora nessa hora erma. O vento sacode as folhas nas árvores.

A carroça cheia de flores dobra a esquina, para no meio da quadra, debaixo do poste de luz. Na manhã que se aproxima, as pessoas encontrarão a carga suave e perfumada.

Enquanto escrevo, coisas luminosas acontecem em silêncio.  Da janela observo esse ponto pequeno e obscuro do universo, que chamo minha rua, onde todos agora dormem. Mãos desfalecidas nada podem segurar.

Nenhum grito assola a hora nua. O sonho levanta do escuro. 

Os sapatos da primavera cantam na calçada.

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Foto: J. Finatto

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