quarta-feira, 31 de março de 2010

Sobre O aborto e o Papa, publicado em 09/3/2.010

Cláudio Accurso
Economista e Professor Universitário, Porto Alegre.

Há muitos ângulos para examinar-se a questão do aborto. Um é tratá-lo como questão individual, em que os múltiplos condicionantes para sua prática recaem apenas em valores pessoais. Outro é vê-lo como questão social, em que a inserção e as perspectivas dela decorrentes vão determinar os condicionantes definitivos para uma avaliação a respeito.

Para pelo menos um terço da população brasileira, cujo futuro de miséria e desamparo está traçado desde o primeiro dia do nascimento, a sua recusa a tal vilipêndio moral é um ato entendível e não pode ser reducionistamente tratado como imoral, pois se trata apenas de um confronto entre princípios abstratos de comportamento sugerido e de realidades cruas de sugestões objetivamente inviáveis. Visto por aí, o aborto é um gesto de acusação contra a falta de garantias sociais para a realização de uma vida digna.

Sou contra o aborto, mas observo não fazer parte desse estrato social sem futuro, o que mostra que não há individualidade sem contexto e que este é muito desigual para cada um, salientando também como é fácil julgar os outros quando se abstrai esse contexto. Na verdade, aborto é questão de foro individual, por isso não proibitível por uma sociedade sem credenciais sociais para tanto, quando aceita secularmente miséria inapelável e ultrajante.

As crianças que dormem nas ruas, os homens sem trabalho e o desamparo de milhões de pessoas testemunham o infortúnio que não foi evitado. Um país que vive do futuro não tem que reclamar de seu presente... é só esperar...

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