segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Os fundamentalistas

Jorge Adelar Finatto

 ”Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo? “
Fernando Pessoa, Poema em Linha Reta


Tenho medo de quem nunca duvida das próprias certezas.

A rigidez das mentes e corações é motivo de desolação. Questionar-se sobre o modo de ser e de fazer as coisas, repensar a vida, é exercício de humildade cada vez mais raro.

Estar aberto à dúvida não é fraqueza, mas capacidade de renovação.

Se a dúvida nos leva a continuar pensando e agindo da mesma maneira, está bem. Se não, muda-se.

O fundamentalismo, seja laico ou religioso, não torna as pessoas melhores nem mais felizes. Pelo contrário, espalha sofrimento, terror, morte.

O fundamentalista é dono de verdades absolutas que só ele conhece. Ele é a pérola luminosa que brilha entre os habitantes das profundezas escuras.


Todo ato de imposição das próprias verdades e valores sobre o outro envolve violência e é inaceitável numa sociedade que se pretende democrática e livre.

Uma coisa é conversar e divergir sobre coisas como a existência de Deus. Outra bem diferente é querer impor, de qualquer maneira, as crenças pessoais e visões de mundo.

Pôr-se no lugar da outra pessoa, ponderar suas razões e sentimentos, está fora de cogitação para o fundamentalista. O que ele quer - iluminado - é mandar na vida alheia, mostrar o único caminho.

O fundamentalismo passa longe da tolerância, essa atitude que, sendo menos que o respeito, é, todavia, um primeiro passo na aceitação do outro.

O estado laico deve garantir que nenhuma religião pode sujeitar o restante da sociedade. É condição de liberdade e igualdade, independente de credos. Esse mesmo estado tem o dever de assegurar a liberdade de crença.

Ninguém tem direito de negar a opção pela fé.

É preciso admitir que há pessoas que têm necessidades espirituais, creem em Deus, da mesma forma que existem aqueles que desacreditam.

Desdenhar a existência de Deus de forma arrogante, ridicularizar quem pratica uma religião, imputar a essas pessoas a coima da irracionalidade e da debilidade intelectual, revela comportamento totalitário de quem não aceita a diferença.

O mau uso da fé por algumas religiões, colocadas a serviço de interesses econômicos e políticos, com a prática inclusive de atos criminosos, leva ao descrédito a religiosidade.

Existem aqueles que querem acabar com as religiões em razão dessa exploração e desse obscurantismo. Trata-se, porém, de grave equívoco.

A transcendência é imanente ao ser humano.

Proibir, em nome da paz, em razão do comportamento inadequado ou criminoso de uma minoria, o exercício da dimensão espiritual, religiosa, equivale a uma inominável violência, que lançaria o mundo nas sombras de um conflito sem precedentes.

Loucos e fanáticos há em toda a parte, entre religiosos e ateus. O que não se pode é restringir direitos por conta dessa gente.

Prefiro viver numa sociedade com muitas faces do que num hospício, que é para onde nos conduzem a intolerância, o fanatismo, a força bruta, o aniquilamento daquilo que é o outro.

A ética do respeito, como princípio fundamental da existência, é, ainda, o possível caminho para uma convivência razoavelmente civilizada e fraterna.

Se não podemos nos amar uns aos outros, como ensinou Cristo, que pelo menos não nos humilhemos, maltratemos e assassinemos a toda hora, por conta de frágeis certezas que o vento carrega de um lado para outro como a pragana nos campos.


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jfinatto@terra.com.br

2 comentários:

  1. Adelar, tocaste num assunto fulcral de nosso tempo: a falta de fé ou o desvirtuamento dela
    O psicólogo chileno Rolando Toro, criador da Biodanza, dizia que a área mais reprimida no ser humano era a transcendência.
    O Budismo, há muitos séculos, já nos trazia a idéia do Caminho do Meio, equidistante dos extremos do fanatismo.
    E o fundamentalismo estende seus tentáculos além da religião. Por exemplo a doutrina neoliberal, do Estado Mínimo, é dogmática e desconhece particularidade de países e povos.
    E, em várias áreas da vida, existem os de opinião única.
    A vigilância e a denúncia destes indívíduos, também, é um dever do artista.

    Abraço e parabéns por las vacaciones porteñas.


    Ricardo Mainieri

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  2. Meu Caro Ricardo,

    sempre fico feliz e aprendo com teus comentários. Essa troca é o melhor combustível pra gente seguir em frente.

    Um grande abraço

    JAF

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